Depois de distribuir ao dia todas as cores da paleta, o Sol pintou o céu de framboesa para dar sabor à noite.

Entregou a poeira de sua existência num beijo molhado, embrulho do amor total.

Descobriu que aqueles movimentos nos quadris a jogavam de um lado a outro, como quem busca direções, mas a energia da dança lhe dava o equilíbrio para caminhar em qualquer corda bamba.

Precisava escrever. Urgia nos dedos a pressa. Era necessário debulhar as palavras e transformá-las em textos. Sonhava com milhares de leitores, mas sentia não haver destinatários para seus dizeres. Um dia, enquanto lia seu último rascunho, um pássaro entrou na janela e lhe sorriu. Tornou-se poeta.

Uma foto antiga. Como antigo o porta-retratos e a cômoda-suporte. Riquezas cujo tempo a inundação cuidou de descolorir. Para salvar as lembranças, em versos transpôs dela o estático sorriso. E se fez poeta-retrato.